Ilustração: (Tiago de Moraes).

Ilustração: (Tiago de Moraes).

Por Tiago de Moraes

Nenhuma nota saiu direito naquela tuba. Mal alcançava um Ré maior mais agudinho. Escrever algo era um martírio. O lápis resistia firmemente na minha mão trêmula. Uma semana cujo potencial foi desperdiçado por um bloqueio. Um muro entre as duas partes do meu cérebro. Quem nunca se sentiu assim?

Ossos do ofício. Cotidianamente estamos imersos em diversas responsabilidades as quais muitas vezes dependem unicamente do nosso desempenho. Os papéis por nós desempenhados envolvem destreza. A motivação que alimenta nossas ações acaba sendo baseada na superação dos próprios limites, daquilo que projeta complexidade ou empenho. Somos também tragados pela competitividade, palavra cujo significado aprendemos desde cedo.

Mas o bloqueio é pessoal, intrínseco com os sentimentos mais profundos. O muro na minha cabeça não está nem aí para prazos, responsabilidades ou ações. Ele divide os hemisférios do meu cérebro e trava as reações mais racionais. O medo do fracasso, o qual nenhum de nós chegou a uma solução eficiente até agora, cresce e aterroriza. São 3h da manhã. A fúria irrompe a madrugada, até então silenciosamente desesperadora. Recordo de uma frase, que sempre considerei tosca, porém aplicável daquele momento em diante. “Quando a mente trava é porque o coração anda aflito”. Devo ter lido no parachoque de algum caminhão.

Não se pode ignorar os sentimentos por muito tempo. Enquanto os becos mais escuros do coração não forem iluminados, as trevas se lançam para fora em algum momento. Lá no fundo, brotava a percepção de que as responsabilidades as quais me dedicava eram escapismos para os meus próprios complexos. Não era a doce emoção do desafio. A playlist do David Bowie de alguma forma ajudou neste processo.

O meu coração e a minha mente estavam em sintonia novamente.

O muro havia caído.

 

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Tiago de Moraes é estudante de jornalismo, músico, típico sobrinho de design gráfico e míope 24h por dia.  (twitter: @moraestiago_)

“O universo das pessoas minúsculas” (upm) se refere a pessoas comuns, com rotinas comuns, que aparentemente estão fora do palco de ação, diminuídas pelos desmandos políticos, injustiças e exclusão social. A ideia é trazer o universo dessas pessoas, reflexões,  bem como as pequenas ações que não ganham espaço nos noticiários, mas que  melhoram, de forma sensível, o espaço à sua volta.