Por Tiago de Moraes

(Ilustração: Tiago de Moraes).

(Ilustração: Tiago de Moraes).

 

A sinfonia do caos no trânsito bauruense começa bem antes das 6 horas da tarde. Na verdade, é uma longa música cujas melodias barulhentas são previamente apresentadas, ronco por ronco, buzina por buzina, a partir do momento em que o sol começa tímido a sua jornada no mundo dos mortos. Meu movimento preferido nesta sinfonia infernal ocorre por volta de quinze minutos para às 6h da tarde. É quando o fluxo intenso de veículos diminui drasticamente entre as quadras 8 a 10 da Avenida Rodrigues Alves.

Parece mágica. Daquele movimento intenso, somente a espessa quantidade de fumaça cinzenta dos ônibus permanece ali, num gradiente que chega até os céus. A fumaça é a lembrança das guerras cotidianas, das metas não alcançadas e do cansaço recorrente a um longo dia de trabalho. Obviamente, o fenômeno é explicado pela enorme quantidade de semáforos fechados nas redondezas, segurando um fluxo de trânsito que se assemelha a uma boiada estourando a cerca, logo após cada sinal abrir, num efeito dominó.

Quando a fumaça começa a diminuir, é possível ver a movimentação das pessoas que já saíram dos seus locais de trabalho. Mesmo em tempos de incerteza, além do cansaço aparente, nota-se um singela alegria, talvez pelo teor das conversas, das mensagens recebidas pelo WhatsApp ou das músicas que tocam nos seus fones de ouvido. Muitos carregam sacolas de lojas de departamentos, com alguns pertences pessoais e os casacos que não foram utilizados durante o dia. Afinal, Bauru é uma cidade calorenta, mas que de vez em quando prega uma peça em seus moradores com um frio sorrateiro.

Neste movimento da sinfonia cotidiana, o andamento que estava em Allegro cai drasticamente para um Adagio, numa expressividade suave e vagarosa. O sol começa a sumir no horizonte, ressaltando os antigos prédios do centro, a essência da alma da cidade. Bauru é um lugar de esperança e de promessas quebradas, assim como as janelas dos prédios da Rodrigues Alves. O sinal abre e o movimento intenso de ônibus, motos e carros aceleram o andamento da sinfonia caótica para o seu momento mais glorioso. Minha condução chega, e assim como as outras quinze pessoas que sobem para o ônibus comigo, seguimos de forma separada os nossos destinos.

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Tiago de Moraes é estudante de jornalismo, músico, típico sobrinho de design gráfico e míope 24h por dia. Escreve sempre aos domingos. (twitter: @moraestiago_)

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“O universo das pessoas minúsculas” (upm) se refere a pessoas comuns, com rotinas comuns, que aparentemente estão fora do palco de ação, diminuídas pelos desmandos políticos, injustiças e exclusão social. A ideia é trazer o universo dessas pessoas, reflexões,  bem como as pequenas ações que não ganham espaço nos noticiários, mas que  melhoram, de forma sensível, o espaço à sua volta.