Por Tiago de Moraes

(Ilustração: Tiago de Moraes)

(Ilustração: Tiago de Moraes)

O sol estava a pino.  Eu estava tocando para o lado de fora da Orquestra. Uma senhora, na casa dos 60 anos, caminhava lentamente na rua Primeiro de Agosto indo em direção a rua Antônio Alves. Ela estava com um turbante cinza, tinha cabelos grisalhos e usava óculos. Era encurvada pela vida, andava com dificuldade e vestia uma longa saia florida com uma camisa desbotada. Era um tipo de simplicidade difícil de não ser notada. Eu mal havia entrado no ensino médio e também fazia pouco tempo que tocava tuba. Basicamente, só arranhava algumas notas.

Como músico nas horas vagas, carrego uma frustração enorme. No início, eu não evoluía no instrumento musical de jeito nenhum. Falam que todo o começo é assim mesmo, mas no meu caso fazer música se mostrou uma tarefa hercúlea. Dois meses de decepções e já pensava em largar a música. Tudo isso martelando naquele momento. De maneira doce, aquela senhora parou no portão do prédio e pediu-me para que eu tocasse alguma coisa. Estávamos frente a frente, mas ela preferiu ficar ali mesmo.

De que forma como recusaria aquele pedido? Mesmo que ainda não me sentisse pronto para tocar o mais simples “brilha, brilha estrelinha”. Então, ela encurvou o pescoço de tal forma que seu ouvido estava unicamente dedicado ao meu desempenho. Ela queria me ouvir com atenção. Eu toquei um simples arpejo. Isso acabou comigo. A senhorinha merecia muito mais. O melhor que eu tinha naquele momento para oferecer estava aquém da primeira pessoa da minha plateia. Ela me agradeceu e continuou o seu caminho.  Foi direto para o meu coração.

Não é possível aprender coisas novas sem esvaziar-se de si mesmo. Percebi que eu deveria ser músico para as outras pessoas e não para satisfazer o meu ego. A partir do momento que eu me esvaziei das minhas expectativas frívolas, sobrou espaço para aprender melodias, escalas e arranjos. Aprender significa deixar nossos preconceitos de lado, a ignorância e o egoísmo. É uma ação que precisa retornar para o cotidiano à nossa volta. Envolve um dinamismo tão orquestrado como de uma sinfonia. Trata-se de um exercício que nunca deve cessar. 

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Tiago de Moraes é estudante de jornalismo, músico, típico sobrinho de design gráfico e míope 24h por dia. Escreve sempre aos domingos. (twitter: @moraestiago_) 

“O universo das pessoas minúsculas” (upm) se refere a pessoas comuns, com rotinas comuns, que aparentemente estão fora do palco de ação, diminuídas pelos desmandos políticos, injustiças e exclusão social. A ideia é trazer o universo dessas pessoas, reflexões,  bem como as pequenas ações que não ganham espaço nos noticiários, mas que  melhoram, de forma sensível, o espaço à sua volta.