Depois de 20 anos de abandono, a reforma da estação ferroviária pela Secretaria Municipal de Cultura traz novas perspectivas para o centro da cidade

Texto: Amanda Sanches  e Ana Beatriz Casali

Edição: Erica Franzon e Giselle Hilário

Arte: Tiago de Moraes

 

Caminho inicial das locomotivas (Foto: Amanda Sanches)

Caminho inicial das locomotivas (Foto: Amanda Sanches)

 

Em 2010, o prédio da estação central foi comprado pela Prefeitura de Bauru por R$ 6,2 milhões para reforma e restauração da memória da cidade. O ano de 2015 está sendo marcado pelo momento mais esperado dos apaixonados pela estrada, porque finalmente as obras estão em andamento.  Alguns ambientes já foram pintados e restabelecidos, como salas e banheiros que estão ativados e já em uso. A reforma do prédio todo pode levar algum tempo pelo fato da verba necessária girar em torno de R$ 8 milhões de reais. 

Parte das salas reformadas foi destinada para a Secretaria da Cultura, bem como para ensaios de grupos teatrais. Algumas entidades que fazem recepção de associações também terão cômodos cedidos. Além disso, o atual museu histórico, que recebe cerca de 10 a 20 mil visitantes por ano será expandido para outras salas e está ligado a um projeto que conta com uma interligação pela Maria Fumaça, ou seja, a Companhia Paulista que também cedeu seu espaço para a prefeitura está sendo reformada por uma empreiteira e será novamente ativada. Assim, o visitante poderá fazer uma “viagem” entre as linhas visitando a história.  

A coordenadoria dessa revitalização é da Secretaria da Cultura com o total apoio da Secretaria Municipal de Obras, que tem cedido funcionários para a mão de obra. Na parte externa, durante a semana, a equipe está tirando as instalações antigas de ar-condicionado, reformando as janelas, fazendo reparos no prédio de reboque, recortando as estruturas abaladas e refazendo as ferragens. Já a parte de acabamento interno, como pinturas, ficou sob responsabilidade da Secretaria da Cultura.

 

Dependências reformadas estão preparadas para receber atividades culturais (Foto: Amanda Sanches).

Dependências reformadas estão preparadas para receber atividades culturais (Foto: Amanda Sanches).

 

Em visita ao Museu, João Temer, morador da cidade, declarou que “a falta de apoio, e principalmente de verba, deixou o prédio desta forma. Estamos perdendo completamente a nossa personalidade. Bauru nasceu disso, cresceu e se desenvolveu. É uma pena. Agora é acreditar que esse projeto de revitalização finalmente saia do papel’’.

O objetivo principal desta reforma é repovoar o centro da cidade, que hoje é tomado por andarilhos e usuários de drogas. Afinal, o descuido com o prédio acabou deteriorando não só as estruturas, mas a identidade do povo bauruense que tem eterna gratidão pela revolução que a estrada de ferro trouxe para a cidade.

Bauru nasceu disso, cresceu e se desenvolveu. É uma pena. Agora é acreditar que esse projeto de revitalização finalmente saia do papel” – João Temer

Os responsáveis pela obra confirmam também que o propósito da reestruturação é levar movimento e muita vida para o local, motivando as pessoas a visitarem um ponto turístico-histórico bauruense com apresentações, eventos artísticos e outras atividades culturais, gerando, dessa forma, movimentação da comunidade e mais segurança para o local.

 

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A história

 

‘Símbolo de orgulho’ para os antigos ferroviários (Foto: Amanda Sanches).

‘Símbolo de orgulho’ para os antigos ferroviários (Foto: Amanda Sanches).

 

Criada há 111 anos, com o surgimento e a união das ferrovias Sorocabana, em 1904, Noroeste do Brasil, em 1906 e Companhia Paulista, em 1910, a Estação Ferroviária de Bauru, além de possuir sua marca no brasão da cidade, representada pelas três estrelas, é considerada por muitos o marco histórico inicial da cidade e o ponto de partida para seu o desenvolvimento.

Como tudo o que está à frente de uma grande história, a estação ferroviária carrega consigo memórias de uma porção de desafios, vitórias e feitos do município. Na época de seu surgimento, por exemplo, havia muitos índios na região de Bauru, que vieram fugidos do Sul, devido ao desenvolvimento. Consequentemente, com a evolução do interior do São Paulo, os conflitos entre índios e ferroviários tornaram-se tão frequentes que quase toda a população indígena ali existente fora exterminada, pois não havia a consciência da cultura indígena que existe atualmente.

Mas nem tudo é tragédia. Se por um lado a consciência da pluralidade estava em falta, o espírito empreendedor estava aguçado. “Até 1930, com a quebra da bolsa, o principal produto escoado era o café. Então, os trens saíam da cidade carregados de café e voltavam com materiais de construção, especiarias e mercadorias. Isso também ajudou o comércio de Bauru a se desenvolver”, explica o historiador Alex Sanches.

Porém, não somente o comércio foi impulsionado pela ferrovia, mas toda a infraestrutura da cidade, principalmente pela Noroeste do Brasil, que possuía uma ideologia e um tratamento diferenciados para com os seus funcionários. Inspirada no ideal de “liberdade, igualdade e fraternidade”, da Revolução Francesa, a Noroeste, como é conhecida popularmente, trouxe também postos de saúde, parte de ortodontia e alimentação, gerando empregos, mas também cuidando do trabalhador.

Com a missão de desbravar o interior do Brasil, a Noroeste foi, e é até hoje, a principal e mais conhecida companhia ferroviária de Bauru, já que sua sede ficava na cidade, ao contrário das duas outras companhias, que eram ramais, ou seja, apenas passavam pela região. “A Noroeste começou a perder força quando formou-se a rede, em que todas as ferrovias que pertenciam ao governo federal tornaram-se apenas uma. Com isso, Bauru passou a ser a décima divisão e perdeu força”, explica  Sanches.

Com a privatização, foi apenas uma questão de tempo para a ferrovia funcionar apenas como transporte de carga, desativando o de passageiros. Hoje, mesmo que alguns vagões ainda passem pela cidade, não há como comparar com a época em que a ferrovia era o orgulho dos moradores de Bauru e região.

 

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Saudade

 

O antigo relógio quebrado escancara o abandono e o saudosismo (Foto: Amanda Sanches).

O antigo relógio quebrado escancara o abandono e o saudosismo (Foto: Amanda Sanches).

 

Saudade traduz o sentimento de muitos dos ex-funcionários da estrada de ferro, como é o caso de Ricieri Trevisan, escriturário da ferrovia entre 1946 e 1980, atualmente com 90 anos. “Tive uma enorme sensação de felicidade por ter sido aprovado no concurso”, relembra.

Ele, que se lembra dos colegas pela amizade e solidariedade sempre presentes no ambiente de trabalho, revela o dia mais marcante passado na ferrovia. “Foi o dia 10 de março de 1976, em que fui homenageado com o título de melhor funcionário público”, conta Ricieri.

Quando a ferrovia parou de funcionar, senti tristeza, indignação e revolta” –  Ricieri Trevisan

A lista de orgulhos do escriturário, porém, vai muito além de si. “Só em Bauru a ferrovia tinha aproximadamente 3 mil funcionários, com bom salário, o que refletia no crescimento da cidade. Quando a ferrovia parou de funcionar, senti tristeza, indignação e revolta. Quanto ao prédio e aos imóveis da ferrovia, acredito que estamos perdendo nossa identidade devido à inércia dos políticos da nossa cidade. Espero que os novos projetos sejam colocados em prática”, completa ele, aproveitando para passar uma lição e refletir sobre o projeto de revitalização e seu andamento.

 

Reportagem originalmente desenvolvida para as disciplinas “Redação de Jornalismo Impresso” e “Introdução à Fotografia” do curso de Jornalismo. Universidade do Sagrado Coração. Bauru, 2015.