Por Tiago de Moraes

 

(Ilustração: Tiago de Moraes)

(Ilustração: Tiago de Moraes)

 

De vez em quando permito-me sentar na frente do Automóvel Clube para observar o movimento em torno da Praça Rui Barbosa. A curiosidade sobre este pequeno universo aguça o meu faro de detetive pueril. Os rostos, rotinas e causos cotidianos tornaram-se quase familiares. Afinal, quando se vive cinco anos na mesma rotina, sua vida se mescla com o lugar ao redor. Para quem anda pela Rui Barbosa só de passagem, é um lugar onde as coisas passam despercebidas. No entanto, a instalação dos tapumes, sorrateiramente pintados de branco, pegou todo mundo de surpresa.

Inaugurada em 1914, a Praça Rui Barbosa foi fechada no início do ano para uma reforma prevista para durar quatro meses. Como é de praxe, a obra atrasou e o prazo de entrega se estendeu para a semana do Natal. Novamente, a curiosidade serviu de motivação para querer entender o que as pessoas, cujas rotinas também são influenciadas pela praça de traços românticos, acharam do fechamento do local.

Logo de cara, uma obviedade. Do passado distante, sobrou apenas algumas pedras portuguesas soltas do piso, que não devem nem ser tão antigas assim, além de uma ou outra árvore valente. Este pequeno universo agora é da cultura urbana, da galera alternativa, dos moradores de rua, da turma dos Bancos e dos usuários de maconha (o que não quer dizer que uma galera não possa fazer parte da outra). O colorido que mistura a originalidade com a decadência tem as suas figuras formidáveis: os artistas de rua, a floricultura que existe desde os anos 80, os músicos do Automóvel Clube e o vendedor do ponto mais badalado de caldo de cana.

As opiniões ficaram divididas. Metade dos entrevistados defendem que a reforma sumiu temporariamente com os moradores em situação de rua e os usuários de drogas, enquanto a outra disse exatamente o contrário. Como a pesquisa não foi a lugar nenhum foi extremamente proveitosa, a qualidade de ouvidor proporcionou confidências interessantes.

Entre as coisas curiosas que acontecem na floricultura é que muitas clientes são casadas, mas mandam flores e mimos para si mesmas  (talvez para causar ciúmes no cônjuge), como se existisse um “admirador oculto” interessado.

O funcionário público que trabalha no Automóvel Clube relata que três vezes por semana aparece um músico de rua de meia idade encher a sua garrafa de água no local. Viajante errante, ele é graduado na área e já tocou com inúmeros músicos renomados antes de entrar em uma crise existencial e ficar vagando pelo país. Não se sabe ao certo se ele é do Rio Grande do Sul ou do Paraná.

Já o empreendedor do caldo de cana também atua como guarda-volumes da região, ajudando os frequentadores do banco que não podem levar objetos muito grandes ou sacolas dentro da agência.

São pequenas histórias, inseridas em um bojo de enredos que construiu a memória afetiva da praça mais antiga do município bauruense. Enquanto a Praça Rui Barbosa não é reinaugurada, os ocupantes desse espaço urbano ficam sem o seu maior símbolo, apesar de ser um lugar imerso em certo tipo de conflito, violência e problemas sociais. Talvez seja o presente que os indivíduos desse microuniverso mereçam neste Natal.

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Tiago de Moraes é estudante de jornalismo, músico, típico sobrinho de design gráfico e míope 24h por dia. Escreve sempre aos domingos. (twitter: @moraestiago_)

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“O universo das pessoas minúsculas” (upm) se refere a pessoas comuns, com rotinas comuns, que aparentemente estão fora do palco de ação, diminuídas pelos desmandos políticos, injustiças e exclusão social. A ideia é trazer o universo dessas pessoas, reflexões,  bem como as pequenas ações que não ganham espaço nos noticiários, mas que  melhoram, de forma sensível, o espaço à sua volta.