Responsáveis pelo abrigo Casa de Nazaré relatam suas experiências e sentimentos sobre o trabalho com as crianças

Por Ariane Frassato e Tainá Vétere

Edição: Erica Franzon e Giselle Hilário

Arte: Tiago de Moraes

 

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Em um bairro afastado do centro, bem distante de importantes pontos da cidade, na Rua Heitor Andrada de Campos, nº 3-55, no Jardim Prudência, há um lugar que abriga histórias, dores e Claudia. É o Abrigo Casa de Nazaré, onde moram 17 meninas de idades variadas que foram retiradas de suas famílias por ordem judicial. Claudia, que possui um sorriso encantador e uma simpatia enorme, é uma das cuidadoras da casa e tem a missão de proteger, educar, zelar e se preocupar com as garotas que sofreram traumas, abusos e violências no passado. 

Da esquerda para a direita, Priscila Montebugnoli e Ana Rosa Bianconcine, cuidadoras da Casa de Nazaré (Foto: Ariane Frassato).

Da esquerda para a direita, Priscila Montebugnoli e Ana Rosa Bianconcine, cuidadoras da Casa de Nazaré (Foto: Ariane Frassato).

No dia da visita, a cuidadora abriu o portão, abriu seu coração, abriu sua outra casa, e em memórias, contou um pouco dos dias em que trabalha neste abrigo. A casa de Nazaré, por fora parecia uma casa como qualquer outra, mas logo em sua entrada, a recepção calorosa e cheia de felicidades das crianças e adolescentes já mostravam que naquele lar havia muito espaço para o amor.

Logo após o portão, há um corredor que leva até o fundo da residência, onde estão quatro mesas com toalhas coloridas e uma cozinha industrial, separada por um balcão. Era possível perceber o quanto sentimentos bons e de afetos eram presentes na casa, pois duas das paredes desse pseudo-refeitório possuíam corações desenhados. O abrigo estava, então, sob os cuidados de Claudia e de outras profissionais cuja única preocupação era a de fazer de lá um lar que as meninas não tinham. Em algumas sessões de poucas horas, durante as perguntas sobre o impacto na vida pessoal de trabalhar nesse abrigo, relatos verídicos de momentos enfadados de heroísmo.

O histórico de vida complicado não precisa ser o fim da infância das crianças no abrigo. Fazer amizades é fundamental no desenvolvimento delas (Foto: Ariane Frassato).

O histórico de vida complicado não precisa ser o fim da infância das crianças no abrigo. Fazer amizades é fundamental no desenvolvimento delas (Foto: Ariane Frassato).

“Quando você está ali, no meio do problema, e você começa a conviver com isso, é totalmente diferente, o seu olhar muda”, disse Claudia quando perguntada sobre o primeiro sentimento de lidar diariamente com essas meninas. “Você se depara com a realidade e enxerga uma dimensão que está longe do que se vê na televisão”, relata.

A história fora contada, Claudia estava sentada, e por muitas vezes declarava relatos de um ano de comportamentos que descreviam dificuldades e consequências sentidas pelas meninas. “Depois de entrar no abrigo e passar os dias lá e conviver com elas, você acaba se apegando e querendo dar o seu melhor de alguma maneira. A gente senta, conversa, aconselha, fica brava. Mas depois que você lida com aquilo, acaba querendo ajudar de alguma forma, protegê-las”.

(Arte: Tiago de Moraes).

(Arte: Tiago de Moraes).

Todas essas histórias não fazem parte de uma mãe provisória só. Luciana também se encarrega de senti-las durante os seus dias. Ela, que é assistente social, contou seu desejo de querer sempre trabalhar com esse público especial e com vidas que se encontram em risco social. “Meu papel na vida dessas meninas é de agente transformador, de proporcionar meios em que essas crianças e adolescentes sejam donos de sua própria história”, relata.

A maior preocupação e desafio, indaga Luciana, era de buscar o lado mais humano de cada criança dentro do abrigo. Comentou que sua luta foi e é de proporcionar meios para que cada uma ainda encontre um jeito de sonhar. “Essas meninas não têm percepção de quem são e seu valor como ser humano. Eu, como profissional, tenho o papel de mostrar a elas a importância de  acreditar nelas mesmas e encontrar o que elas mais gostam”.

Mesmo com o afeto que as crianças recebem no abrigo, a incerteza permeia constantemente seus sonhos e desejos (Foto: Ariane Frassato).

Mesmo com o afeto que as crianças recebem no abrigo, a incerteza permeia constantemente seus sonhos e desejos (Foto: Ariane Frassato).

Um pouco antes de responder a próxima pergunta, uma das meninas, com olhos castanhos, pés descalços, cabelos cacheados, se aproxima e abraça Luciana. Pede licença e solicita sua presença para alguma eventual bagunça no seu quarto. A conversa foi perfeitamente tranquila. “Ela só queria que eu pegasse a boneca dela em um lugar alto”, disse, sorrindo.

Apesar da pausa para a ajudazinha, Luciana nos contou depois qual era a sua maior motivação de estar lá. “O que me motiva é entender o quanto o ser humano é precioso. Acima de tudo, eu estou aqui para transformar. A verdade é que eu ainda encontro colegas de trabalho que não entendem quem elas são, eles delimitam o outro e julgam ao invés de serem agentes transformadores”, frisou.

Ante a proximidade da hora de terminar, sem poder se desfazer das suas inquietações quanto ao abrigo e as vidas que moravam lá, Claudia e Luciana, porém, não deixaram de sorrir e demonstrar todo carinho e gratidão por trabalhar em um ambiente enriquecedor e que fez delas pessoas melhores. Mostravam sede de mudanças e esperam que o mundo seja um lugar onde essas meninas pudessem voltar a rir como verdadeiras crianças.

Ana Rosa trança os cabelos de uma das meninas da Casa de Nazaré: carinho e afeto entre as garotas e as cuidadoras (Foto: Ariane Frassato).

Ana Rosa trança os cabelos de uma das meninas da Casa de Nazaré: carinho e afeto entre as garotas e as cuidadoras (Foto: Ariane Frassato).

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Entenda como a Casa de Nazaré funciona

O Abrigo Casa de Nazaré é uma entidade sem fins lucrativos que abriga crianças e adolescentes do sexo feminino que por ordem judicial são retiradas das famílias através de denúncias de vizinhos, família ou até mesmo das próprias meninas. Para se manter, o abrigo conta com o apoio do governo. A verba recebida é dividida entre as despesas da casa e das meninas e o pagamento dos funcionários. A ONG recebe doações de alimentos, roupas e de itens de higiene pessoal de algumas empresas, mercados e pessoas.

A Casa de Nazaré recebe suporte de alguns profissionais na área da saúde e do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS) e algumas instituições, igrejas e voluntários se dedicam em atividades para recreação e entretenimento das meninas. Para quem se interessar em ajudar, o endereço do abrigo é Rua Heitor Andrade de Campos, nº 3-55, Jardim Prudência, Bauru, interior do estado de São Paulo. E se caso for necessário obter mais informações entrar em contato pelo telefone (14) 32387414 ou pelo e-mail: saofrancisco.acop@gmail.com.

Reportagem originalmente desenvolvida para as disciplinas “Redação de Jornalismo Impresso” e “Introdução à Fotografia” do curso de Jornalismo. Universidade do Sagrado Coração. Bauru, 2015.