No teto da igreja jesuíta em Altagracia (Argentina) Patrimônio Cultural da Humanidade erguido no ano de 1588,, as pinturas refletem imagens que contam as narrativas bíblicas de morte-renascimento de Jesus Cristo, assim como nos afrescos de diversas igrejas ao redor do mundo Foto: Vinicius Carrasco

 

APRESENTAÇÃO

O que vocês verão a seguir é o trabalho integrado das disciplinas Jornalismo Digital e Laboratório de TV II, do  curso de Jornalismo, da Universidade do Sagrado Coração, desenvolvido pelos alunos do quarto ano sob a coordenação dos professores Ma. Mayra Fernanda Ferreira e Me. Vinicius Carrasco .

A proposta inicial escolhida pelos alunos foi realizar grandes reportagens sobre o tema morte e transpô-la para o ambiente digital. Sua publicação coincide com a semana em que, no dia 2 de novembro, no Brasil, o calendário comemora o Finados.

Espera que o trabalho possa contribuir para quebrar o tabu acerca do tema, velado nas sociedades atuais, quando se trata de algo próximo, mas banalizado quando se pensa na violência que está espalhada por ai.

Na primeira grande reportagem da série, A vida por um novo ângulo,  produzida por Letícia Peña, Luana Karolina, Mariana Cândido, Guilherme Lima, Flávia Stopa, Thayná Fogaça, uma discussão sobre o tema, histórias de superação ou de quem lidou com situações em que a morte esteve bem próxima.

Para contextualizar o tema, um preâmbulo da morte ao longo da história, por um viés antropológico e simbólico, suas representações e um pouco de como a humanidade encara e lida com este fenômeno tão presente e tão complexo.  O texto, Um breve panorama sobre a morte,  de autoria do jornalista Vinicius Carrasco é parte de um trabalho de conclusão de curso de jornalismo intitulado Todo dia é dia dos mortos – um estudo sobre a banalização da morte no jornalismo impresso, sob orientação da Prof. Dr. Carmen Lúcia José |(in memorian), pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). A pesquisa é fruto de um projeto de iniciação científica financiado pelo CNPq/Pibic.

Boa leitura!

 

DIMENSÃO SIMBÓLICA

Um breve panorama sobre a Morte

Apesar de ser comum a todas as espécies, é na espécie humana que a morte ganha significado. É o homem quem a sente, nota sua presença e lhe atribui sentido. Segundo Edgar Morin, em O homem e a morte,  a espécie humana é a única para qual a morte está presente ao longo da vida, a única a acompanhar a morte como um ritual funerário, a única a crer na sobrevivência ou no renascimento dos mortos.” A morte está inserida em universos sócio-culturais e por isso as mentalidades, representações e manifestações acerca dela são tão heterogêneas quanto a heterogeneidade das comunidades humanas.

A luta contra a morte tem sido também uma constante desde as comunidades antigas. Inúmeros são os relatos, nas narrativas ‘mitológicas’ da vitória da morte, num primeiro momento e, dos heróis em outros.

A possibilidade de vencer a morte possibilita o aparecimento das chamadas crenças da salvação. No antigo Egito, por exemplo, o deus da vegetação, Osíris, passa a ser considerado, a partir da monarquia de Busíris e Buto (quarto milênio), o deus dos mortos. A imortalidade, que por muito tempo era atributo dos reis, consegue atingir, com a chamada revolução da sexta dinastia, homens livres. Nesse percurso, Osíris transforma-se em deus da salvação, patrono da imortalidade; a ele faziam reverências nos ritos sagrados e funerários. O Egito convive também com a crença em Ptah-Amon-Ra, deus solar universal, que passou a representar o princípio de toda a vida.

Sabe-se, entretanto, que a salvação estava vinculada a uma hierarquia, o que nos leva a crer, e mais tarde poderemos constatar, no fracasso das barreiras sociais, impostas pela sociedade, mesmo depois da morte. O velho ditado de que todos tem o mesmo fim é uma pseudorealidade, pois até diante da morte, diferentes serão os ritos funerários dependendo do valor do morto. Com a salvação não seria diferente.

Não se pode falar de salvação sem abordar o cristianismo, talvez a maior e mais difundida crença na salvação. A figura de Cristo será emblema da sobrevivência diante da morte. Com o Cristianismo, os fiéis encontram uma ‘prova’ de que é possível transpor a barreira da morte, assim como Jesus o fez. O homem torna-se crente na ressurreição, e essa crença supre as necessidades do homem (em relação à morte) ou apazigua sua inquietude diante dela.

Com o Cristianismo, os fiéis encontram uma ‘prova’ de que é possível transpor a barreira da morte, assim como Jesus o fez. O homem torna-se crente na ressurreição, e essa crença supre as necessidades do homem (em relação à morte) ou apazigua sua inquietude diante dela.

Para se estudar o conceito de morte nas comunidades arcaicas, temos que recorrer a alguns aspectos de outro conceito, o de mito, pois ele possibilita uma ampla visão das representações da morte não apenas na gênese dos agrupamentos humanos, mas também dos seus resquícios no contemporâneo; resquícios estes que não são monolíticos mas que, em muito, remetem ao início dos tempos.

Nestas breves considerações sobre o mito para as  comunidades arcaicas, vale lembrar que o sentimento coletivo da comunidade impede que a morte seja pensada do ponto de vista individual. Talvez este seja o dado mais específico da morte para as comunidades arcaicas.

Nas civilizações antigas, que aparecem depois do que se convencionou chamar de divisão histórica, haverá uma ruptura entre mitologia e filosofia. Esta mudança é fundamental para o início da tomada de consciência da morte que, apesar de estar presente nas comunidades arcaicas, parecia algo monolítico, inquestionável. Há, contudo, um período intermediário quando se ajustam as alterações à nova mentalidade das civilizações. Neste período, as formas de agrupamentos humanos começam a distinguir-se das comunidades arcaicas. Tais distinções parecem estar basicamente calcadas em dois dados: a fixação das comunidades ao longo dos leitos dos rios e o maior domínio da ferramenta. Ao abandonar a vida nômade e estabelecer “raízes” demarcadas espacialmente, as civilizações passam por mudanças significativas de paradigmas.

Das comunidades arcaicas para as civilizações, o deslocamento da verdade, caminha do sagrado para a Filosofia. Para Morin, as atitudes das comunidades e sociedades humanas diante da morte parecem estar calcadas em dois grandes mitos antropológicos, chamados pelo autor de “morte renascimento” e “duplo”. Para ele, de modo genérico, enquanto o duplo seria uma espécie de clone do indivíduo sem seu aspecto físico(material), a morte-renascimento é um mito que configura a morte como uma nova etapa, um novo renascer, o limiar de uma nova vida. Tais concepções povoariam a Filosofia e as crenças da humanidade, assumindo nomenclaturas e características peculiares.

A importância dos mitos de morte (morte-renascimento e duplo) residem no seu cosmomorfismo, sua integração cósmica com a natureza. Será através deles que o homem terá consciência da morte e da imortalidade, através da constante metamorfose.

Até os nossos dias, diversas doutrinas se apoiam em variantes desses mitos para ilustrar a crença no duplo e na morte-renascimento, Para desassociar a concepção de morte-renascimento de corpo e “alma”, pode-se ainda citar as iniciações tribais, nas quais jovens são submetidos a verdadeiros ritos de passagem para a entrada na vida adulta. Eis mais um exemplo clássico de morte-renascimento que se inicia com a vida do jovem e culmina com a vida do adulto.

Talvez um dos mais belos exemplos de morte-renascimento seja o mito do Fênix, ave que renasce das cinzas. Esse mito chega a ser admirado por Hegel e nos remete à idéia básica do que seria morte-renascimento, isto é, a base do pensamento oriental em que da morte renasce vida nova.

Morte e filosofia

A Filosofia, enquanto busca do conhecimento humano, também parece esbarrar na morte uma vez que, entendê-la, significa conhecer o homem mais a fundo, seus medos e expectativas em relação a ela e a vida como um todo.

Duas escolas filosóficas, o estoicismo e o epicurismo, abordam a morte de maneira distinta. De modo genérico, enquanto o estoicismo separa completamente espírito do corpo (matéria), os epicuristas, assim como Montaigne e Fuerbach, apresentam a morte como um fim em si mesmo, ou seja, com o fim do átomo não há vida, com o fim da vida não há morte (para o vivo).

Dentre os diversos filósofos que trataram da morte, ainda Michel de Montaigne (1533-1592), admirador de Plutarco e conhecedor de Sêneca, e de seu pensamento sobre o sentimento de morte. Não são raros os ensaios repletos de intertextualidade em que Montaigne recorre ao tema da morte. Em um deles , cita a afirmação de Ovídio: “nunca se deve perder de vista o último dia do homem, nem declarar que alguém é feliz antes de vê-lo morto e reduzido a cinzas”. Para Montaigne, o dia da morte de um indivíduo é o “dia principal”, relacionado a todos os outros .Partindo de um mote de Cícero que diz que filosofar não é outra coisa senão preparar-se para a morte, Montaigne escreve o ensaio “De como filosofar é aprender a morrer” no qual ele afirma que a contemplação e o filosofar separam corpo e alma, ou a sabedoria não permite que tenhamos receio da morte. Neste brilhante ensaio, o filósofo traça um verdadeiro compêndio de todo o pensamento filosófico até seus dias. No ensaio, ele reconhece que “a meta de nossa existência é a morte: é este o nosso objetivo fatal” e, ao mesmo
tempo que a morte é vida, apontando também uma célebre citação de Horácio que diz :

“marchamos todos para a morte; nosso destino agita-se na urna funerária; um pouco mais cedo; outro pouco mais tarde, o nome de cada um dali sairá e a barca fatal nos levará a todos ao eterno exílio”.

A morte não escapou das construções filosóficas de Immanuel Kant (1724-1804) e George Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). Kant, célebre por sua Crítica Da Razão Pura, rompe com o pensamento clássico que assegurava, genericamente, que o homem através de sua inteligência poderia chegar à verdade e, com ela, ao real. O  grande valor de Kant está em afirmar que o pensamento humano não reflete o real e sim uma representação, fruto do seu Ego.

Sem dúvida nenhuma, todas as mudanças ocorridas no século XVIII são senão desencadeadoras de novos paradigmas, orientações para novos rumos. A ciência, a biologia e a razão são determinantes significativos deste novo período. O homem encontra um contexto mais distante da natureza e mais próximo da vida urbana; apega-se aos valores materiais e sua relação com a natureza já não é mais a mesma. Ele é tomado pela idéia de progresso, de transformação incessante e permanente pela qual as coisas se constróem e se dissolvem noutras coisas. Eis a idéia de devir.

Neste contexto, a morte deixa de ser ‘nada’ como pressupunham os filósofos antigos.

Seria injusto terminar este panorama com considerações sobre a morte na Filosofia sem mencionarmos Heidegger, Sartre e Gabriel Marcel.

Para Martin Heidgger, a morte humana pode ser considerada um caminho para a descoberta do ser. Em Ser e o Tempo, publicado em 1927, ele afirma que a morte faz parte da existência e o homem é “um ser para morte (Sein-zum-Tode)”. Para Sartre, a morte seria uma ruptura, um limite; se a morte faz parte da existência e o homem é um ‘ser para a morte’, então ele
está praticamente condenado, anulando assim todas as suas possibilidades pessoais.

 

A morte ao longo dos tempos

Para o francês Philippe Airès, referência indispensável ao estudo social da morte, a maneira como o homem e a sociedade, nos diversos momentos históricos, encaram a morte se modifica. A princípio, observa-se que havia uma familiaridade com a morte que nos é estranha hoje. Os registros dos ritos que antecediam a morte ou o pós-morte, no início da Idade Média, apontam para uma aceitação da morte. Não havia pudores de tratá-la ou reconhecê-la.

No final da Idade Média, mais um dado significativo se incorpora a estes: a morte passa a ser acompanhada de mais emoção, mais emotividade, reforçada posteriormente pelos Românticos, com a idéia de ruptura. Portanto, as ideias que vigoravam no início da Idade Média eram da morte de todos como um fim comum (Et moriemur). A partir do século XII, a consciência da morte torna-se mais veemente. No século XIII , inicia-se uma conscientização da morte do outro.

O imortalidade é um mote do filme

O imortalidade é um pano de fundo do filme “Highlander – O Guerreiro Imorta (1986)l”, dirigido por Russell Mulcahy e estrelado por Christopher Lambert e Sean Connery. Foto/ Divulgação 20th Century Fox

Os epitáfios são as inscrições tumulares, que servem de registro pois são as impressões de alguém sobre o morto. Geralmente, são discursos de exaltação que demonstram o sentimento daqueles que “ficaram” em relação a quem “se foi”. Quanto aos testamentos, que eram instrumentos de manifestação do moribundo, passaram a ser um contrato firmado entre estes e os religiosos.

Ao moribundo, no espaço frio do hospital, não lhe é dado o direito de saber, como era no passado, quando sua morte está próxima. Profissionais e familiares instituem um tabu de morte, tornando-a um assunto velado, obsceno. Da mesma forma, funções que eram antes delegadas a familiares, hoje são de responsabilidade de instituições médicas, funerárias, etc. Terceirizou-se a morte.

A morte, quando próxima, é assunto proibido, mas é, ainda, sentida. Quando se trata de alguém distante, passa desapercebida e ai reforça-se ainda mais os traços da individualidade dos novos tempos.

Na arte, na ficção (cinema, TV, etc.), no jornalismo, na realidade, estamos o tempo todo lidando com ela, depois de ter percorrido tempos e espaços diversos; pensamentos e mentalidades que conviveram e ainda convivem com este dilema universal que é a morte.

Vinicius Carrascojornalista, professor universitário e pesquisador de comunicação, jornalismo, cibercultura e movimentos sociais. Em 1999 defendeu o trabalho de conclusão de curso Todo dia é dia dos mortos – um estudo sobre a banalização da morte no jornalismo impresso, sob orientação da Prof. Dr. Carmen Lúcia José, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). A pesquisa é fruto de um projeto de iniciação científica financiado pelo CNPq/Pibic.

O filme

O filme “Amor além da vida” (1998 ), dirigido por Vincent Ward e estrelado por Robin Williams e Annabella Sciorra, també abordam a temática da morte nos cinemas. FOTO: Divulgação/Universal Pictures

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

HISTÓRIAS DE SUPERAÇÃO DE QUEM LIDOU COM SITUAÇÕES EM QUE A MORTE ESTEVE BEM PRÓXIMA

A vida por um novo ângulo

 
POR LETÍCIA PEÑA, LUANA KAROLINA, MARIANA CÂNDIDO, GUILHERME LIMA, THAYNÁ FOGAÇA E FLÁVIA STOPA 

O que você faria se tivesse uma segunda chance para viver? essa pergunta pode ser respondida por pessoas que estiveram bem perto da morte.

 

 

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) abordam taxas de mortalidade e levantamento da expectativa de vida ao longo dos anos. O último levantamento referente a 2015 aponta uma expectativa de vida de 75,5 anos para  o total da população, um acréscimo de 3 meses e 14 dias em relação ao ano anterior
(75,2 anos).

Normalmente as pessoas beiram a morte por motivos como doenças ou acidentes. Estima-se que, no trânsito morram por ano no Brasil 50 e 60 mil pessoas. Seja qual for o motivo,  o sentimento de “quase morte” em cada um destes motivos têm durações, sentimentos e processo de superação com suas particularidades. A superação deste sentimento para a volta a uma vida normal pode contar com um elemento comum nas duas causas: a figura de um profissional, podendo ele ser um psicólogo ou, em casos mais graves, um psiquiatra. “Há todo um trabalho que auxilia a pessoa nesse processo… o ser humano teme muito a morte. ” afirma a psicóloga Carmem Bueno. Isso porque, por mais que cada um de nós tenha a noção de que a vida não é eterna e ao contrário disso, temos a certeza de que um dia todos nós vamos morrer, ver a morte de perto não é uma experiência que esperamos ter.

“Você passa a dar atenção a detalhes pequenos que você não observada no seu dia a dia”

Rodrigo Neves ,estudante

Qualquer acidente com certa gravidade marca a vida dos envolvidos. Porém, outros mais graves, se tornam assunto nacional e marcam a vida até de quem não tinha nada a ver com o acidente. Quem não se lembra do avião que não conseguiu pousar no aeroporto de Congonhas em São Paulo, atravessou a Avenida 23 de maio e se chocou com o prédio da TAM? Este foi o maior acidente da aviação brasileira, 199 pessoas morreram, chocando todo o Brasil, se até para os não envolvidos foi um choque, para os sobreviventes, foi traumatizante.  Para o consultor de informática Paulo Zani, aquele seria apenas mais um dia comum de trabalho para ele, quando no final da tarde o Airbus A-320 da TAM se chocou contra o prédio de seu local de trabalho. Ele conta que no começo não tinha noção do que estava acontecendo: “Eu só percebi da gravidade do problema quando eu tentava respirar e não conseguia… a partir desse momento veio na minha cabeça a família e foi o que começou a me dar força e eu entendi onde que a gente estava, que era um problema sério e que minha vida estava em risco… eu pensava que eu não ia ficar ali, eu não ia morrer no trabalho”.

“Eu só percebi da gravidade do problema quando eu tentava respirar e não conseguia… a partir desse momento veio na minha cabeça a família e foi o que começou a me dar força e eu entendi onde que a gente estava, que era um problema sério e que minha vida estava em risco… eu pensava que eu não ia ficar ali, eu não ia morrer no trabalho”.

Paulo Zani, consultor de informática   

Assim como Paulo que lutou pela sua vida e sobreviveu,  Nathâni Thainá enfrentou um câncer e teve um final feliz. Quando soube da doença ela se negava a aceitar, seu sonho era um dia se tornar mãe, porém, com os tratamentos de quimioterapia este objetivo talvez pudesse ser interrompido. “Então eu tinha que decidir, ou eu ficava chateada com as coisas que estava acontecendo, ou eu lutava pra viver”. O tratamento durou 6 meses, seus cabelos caíram, sua força diminuiu relativamente, mas sua esperança e vontade de viver a ajudaram a vencer a doença e mais que isso, ganhou um presente que muitos médicos acreditaram ser impossível, a sua filha.

Felipe Teixeira é um exemplo de casos que fogem dos dois motivos comuns. Felipe perdeu seu pai para o câncer quando tinha dezoito anos. “Na época que eu perdi meu pai, eu não sentia raiva, não sentia felicidade, não sentia nada… em horas podia até ter um sorriso no meu rosto, mas por dentro era só um vazio… eu não tinha prazer em viver” relata Felipe. Muito ligado ao pai, o filho caçula não aguentou o sentimento da perda e tentou se suicidar ingerindo 40 comprimidos de remédios que encontrou em sua casa.

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Quanto custa morrer?

POR ARIANE FRASSATO, FLÁVIA IZIDORO, INAIÁ MELLO, JÉSSICA PIRAZZA, MARIANA FRAGA, MARINA BARRIOS E TAINÁ VÉTERE

Entre vários itens que fazem parte do planejamento de gastos, pode-se pensar também nos valores que se gasta quando a morte chega. Você sabe quanto custa morrer?

A estabilidade e a programação financeira é um dos maiores desejos da sociedade atual. É preciso estar pronto para pagar as contas em dia, bancar os estudos e ter um dinheirinho extra para curtir os passeios de fim de semana. Pensando em todos esses planos, as pessoas estão focadas em como vão viver e, os fins das suas vidas nem sempre estão presentes nesses planejamentos.

A morte chega para todos, e, muitas vezes de forma inesperada. Portanto, o valor para arcar com as contas relativas a isso também se torna inesperado.

Os serviços funerários são os encarregados para auxiliar com o transporte, caixão, velório e enterros, que feitos por empresas privadas podem gerar despesas muito altas. Os atendimentos privados podem ser contratados em qualquer funerária particular e eles podem variar de R$1.600 a R$ 15.000.

 

Além dos serviços particulares, no Brasil, existe também o público, que é o “auxílio funeral”, disponível para aqueles que não têm condições de arcar com os gastos. As prefeituras municipais são as responsáveis para essa assistência, trabalhando em parcerias com secretarias licenciadas. Em Bauru, a Secretaria Municipal do Bem-Estar Social (Sebes), trabalha em parceria com a Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural de Bauru.

 

Conforme Ana Sales, diretora do Departamento de Proteção Social Básica da Sebes, há um valor disponível direcionado para esse serviço e para se beneficiar destes planos precisa se adequar a algumas normativas; a principal é que a família precisa ter a renda per capita de meio salário minimo. “Todos os funerais solicitados a EMDURB, é repassado para gente analisar a prestação de contas e verificar se tudo aquilo que foi concedido está de acordo com as normativas e estando de acordo a gente solicita o pagamento”, explica a diretora.

 

Portanto, para evitar surpresas e mais desgaste nestes momentos, são oferecidos planos funerários, podendo ser pagos previamente em pequenas parcelas durante meses. O Centro Velatório Mormorial Bauru, oferece planos com custos baixos, que incluem desde as urnas até a preparação do corpo, como detalha Helder Barros, coordenador administrativo da da empresa. “A gente tem planos de r$5 a r$ 20 que cobrem toda a parte do funeral propriamente dita e chegam até 180 reais já com o jazigo incluso”. O diretor relata que muitas famílias da cidade têm seus planos, como é o caso do jornalista Marco Nascimento.”Meu pai sempre pagou um plano funerário, é um plano que a gente paga não querendo usar…Mas aí minha mãe ficou doente e chegou a falecer, e o plano ajudou bastante, pois não tivemos aquela burocracia para buscar uma funerária”, conta o jornalista.

Confira a baixo a reportagem completa sobre o assunto com mais histórias de pessoas que optam ou não por pagar um plano funerário para a família, como a da aposentada Nerci Martins.”É claro que ninguém queria pagar um plano para morrer, mas precisa porque em uma última hora não tem para onde correr”.

 

 

 

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Os Profissionais que trabalham com a morte

POR MATHEUS PAIVA, TIAGO DE MORAES, LOYCE POLICASTRO, JULIANA NEVES, ANA BORGES, GUILHERME DORNI E MONIQUE CLARO

Lidar com a morte é um desafio e um tabu para grande parte das pessoas, mas é interpretada com dedicação para profissionais que trabalham e tiram o sustento financeiro dessa área que envolve comércio, logística e muita técnica, inclusive para administrar bem o dinheiro.

É o caso de Wanderley dos Santos, um senhor que já trabalhou por quase quarenta anos com necropsia no necrotério de Botucatu/SP. Desde a adolescência, ele afirma ter certeza de que esse era o dom que tinha e foi com esse trabalho que conquistou bens materiais, indispensáveis para uma geração que buscava estabilidade financeira: “deu pra viver tranquilo, ter meu carro e minha casa própria. Naquele tempo era só um salário mínimo, era muito pouco, mas dava pra sobreviver, dava pra comer do bom e do melhor”.  São muitas as experiências deste profissional que entrou na área por acaso, mas que se apaixonou desde o primeiro momento e se mantém dedicado até os dias de hoje. Aposentado, Wanderley ainda busca oportunidades de voltar a exercer sua profissão.

Como técnico de necrotério, ele passou por situações em que foi preciso cuidar de corpos dos parentes e até mesmo do próprio irmão, situações delicadas, mas que ele enfrentou com carinho e profissionalismo necessários.

Com esse trabalho, Wanderley manteve a família financeiramente. Casado, ele é pai de um casal. O homem, filho mais velho, é formado em Zootecnia e graças ao esforço do pai, conseguiu se manter em outra cidade, Araçatuba, durante o período de estudos e esse é uma das grandes vitórias que Wanderley conta emocionado: “hoje ele faz graduação e eu tô contente com isso.”

Atualmente, ele prefere não dizer quanto ganha de aposentadoria, mas parece não ser o suficiente para tirar um sorriso de satisfação de um rosto marcado pela alta exposição à produtos químicos.

Danilo, mestre de cerimônias de luto, assim como Wanderley, confessa gostar do que faz, mesmo que isso soe diferente à maioria das pessoas: “sinceramente, eu me realizo muito com o meu trabalho”.

O principal objetivo do dia a dia profissional dele é confortar as famílias que sofrem a dor da perda. No velório, ele é responsável por conduzir as despedidas, cuidar de todos os detalhes para que a saudade se transforme num sentimento menos dolorido.

E isso continua com o trabalho de dona Umberlina, que trabalha há 56 anos na manutenção de túmulos no cemitério municipal de Bauru/SP. A zeladora anda de ponta a ponta em volta dos túmulos tirando pó, lavando e cuidando, mas afirma: “eu gosto, eu adoro trabalhar com isso. Foi assim que eu acabei de criar os meus filhos, com essa luta aqui do cemitério, graças a Deus.”

Já Alberto, responsável por preparar os corpos para o velório, depois do processo no necrotério, já tentou mudar de profissão. Ele conta que a esposa estranhou o trabalho, que ele assumiu por necessidades financeiras. “Com meu emprego deu pra comprar minha casinha, minha moto e meu carro, estou mantendo minha filha no estudo, tudo do meu trabalho aqui”.

O antropólogo Walter explica a repulsa comum da sociedade em lidar com o luto e com esses profissionais:  “infelizmente, tudo é transformado em produto hoje, alguma coisa a ser consumida, inclusive a morte. Isso já vai mostrando uma inversão de valores, quanto mais com os mortos. Muitas vezes é dura a palavra, é difícil de você falar isso, mas, muitas vezes, o morto parece um descarte, parece uma coisa que você joga fora. Faz parte de uma sociedade em que tudo é descartável.”

Embora seja o sustento de tantas famílias, os profissionais que trabalham com a morte precisam enfrentar os preconceitos do dia a dia, os próprios tabus e as dificuldades de lidar com o fim da vida com carinho, serenidade, paciência e controle necessários para cuidar do ente querido de toda uma família que espera para dar o adeus e se consola em prestar o luto.

A intenção aqui é mostrar como essa profissional chegou até esse mercado, qual a média salarial de um maquiador desta área e quais histórias mais marcantes já vivenciou. Também é importante ressaltar se já pensou em desistir da profissão em algum momento e hoje como lida com a rotina da profissão, quais os prós e contras.

 POR AMANDA SANCHES, DENIS ERIC DE JESUS, MAYRILAINE GARCIA, LUIZ RAMOS, ANA BEATRIZ CASALI, RONALDO CARVALHO E JOÃO VENÂNCIO

Encarar a morte nunca é fácil, mesmo que uma pessoa passe muitas vezes por essa situação, cada um leva um período de aceitação e superação.

Indo em direção aquele famoso refrão “não aprendi dizer adeus”, o luto é inevitável assim como a própria morte. É o processo pelo qual todas as pessoas que perdem algum ente querido precisam passar. Porém, seu maior segredo é: como lidar? Qual o tempo ideal entre o luto e a superação de uma perda? Existe uma regra? Nas histórias a seguir você descobrirá que cada um lida de uma forma. Existem várias questões que podem influenciar, como, visão de mundo, religião, idade, entre outros fatores. Mas uma coisa é igual para todos: ninguém é imune à saudade. Ela existe e é a única certeza que temos do quanto alguém que partiu, foi realmente especial.

O primeiro exemplo, é o de Bruno Pegorim, que se viu diante da morte muito cedo e apesar dos seus 24 anos teve que superar muita coisa, inclusive uma depressão e uma síndrome do pânico em consequência de suas perdas. E apesar das vezes que desacreditou, foi na fé, que ele encontrou uma “mão” que pudesse ajudar à seguir em frente. No meio as seguidas perdas, Bruno foi a uma capela e lá encontrou uma bíblia, “eu lembro que encontrei uma bíblia na capela, e no que eu abri a bíblia estava escrito ‘não tenha medo’ e o luto foi começando a tomar conta a partir do momento que eu vi minha mãe morrendo aos poucos”.

Em alguns casos são os gestos, as atitudes, o afeto, o jeito, o espaço que era preenchido pela pessoa que serve de consolo e de grande ajuda na fase do luto. Como é o caso do estudante de publicidade Marcos Vinicius, que deixou muita saudade para seus amigos e professores. Marcos sofreu um acidente de carro na Rodovia Marechal Rondon em Botucatu quando estava no último semestre do curso de Publicidade e Propaganda, e sua grande esperança era finalizar e apresentar seu TCC. Sua professora e orientadora Nirave Caram, acabou seguindo com o trabalho de conclusão do aluno, em sua homenagem: “Ele queria tanto terminar esse trabalho… mas depois de seis meses eu falei agora ‘vou terminar esse trabalho’, finalizei, enviei para uma revista e depois de um mês e meio recebi a resposta que o trabalho tinha sido aceito”, conta a sua até então orientadora.

E com o passar dos anos, o luto é convertido em experiência. Depois de tantas despedidas, e coração já calejado, as pessoas aprendem lidar com mais maturidade e se preparam de alguma forma para o momento. Para Dalva Gandini, o dever cumprido de ter feito tudo pela pessoa, conforta e acalenta a alma de quem fica. Ela ainda completa: “A morte é uma realidade, e eu vejo a morte assim, como uma coisa justa, porque todos vão passar por ela e então isso serve até como um consolo para a gente… não existe rico ou pobre, todos vão passar por isso”

Mas é claro que num período tão difícil e de tanta dor, qualquer formar de extravasa-la conta muito e em pleno século 21, o uso das tecnologias é uma maneira de aproximar-se das lembranças dos que se foram. Porém, nem todos concordam com essa forma de homenagem, já que se trata de um assunto delicado numa rede pública a qual pode acabar prologando o período de luto.

Tanta dor e sentimento aflorado no momento da perda, causa a impressão do surgimento de uma depressão na pessoa que perdeu um ente querido, mas estes dois sentimentos não podem ser confundidos.

Conforme o gráfico, cerca de 93 milhões de brasileiros tem acesso as redes sociais, em meio a isto, muito se discute sobre o “Luto Virtual”, que são homenagens deixadas nos perfis daqueles que já se foram. Em meio a estes pessoas ativas nas redes sociais, muitas gostam e muitas preferem não postar, mas o fato é que  cada um lida com a perda de uma forma individual e cada qual procura aliviar a saudade do jeito que é melhor para si. 

Confira as histórias completas de Bruno Pegorim, Nirave Caram e Dalva Grandini na reportagem a seguir, que ainda aborda a depressão e o luto virtual com uma especialista.

A superação pela fé

POR VITÓRIA PALMEJANI, GUILHERME SOARES, RODRIGO RAMIRES, RENATA RIBEIRO, GABRIEL MÜLLER, MARIANA ORLANDI E EDNAN GOMES 

Falar de morte, geralmente, é falar sobre dor e saudade. Todos já passamos pela experiência de perder um ente querido. Não importa qual a idade, o sexo, religião ou time de futebol a dor do luto é comum a todos os seres humanos. Inúmeros grupos sociais ao longo da história aprenderam a lidar com a morte através de rituais, crenças e profecias que os confortam e dão forças para continuar depois desse trauma.

Existem mais de 10 mil religiões no mundo e praticamente todas elas dão uma explicação para que seus fiéis enfrentem o luto com sabedoria. Podemos dividir em três grandes grupos de crenças para entender melhor de que forma as pessoas ao redor do mundo entendem a morte.

O que as religiões tem em comum é buscar uma “aproximação” daquele que está vivo com quem morreu e uma outra visão, se não aquela negativa da morte, o que era normalmente visto como positivo nos povos antigos, como cita o historiador Padre Beto: “… nos povos antigos, tanto nas Américas como no velho continente, os povos de uma forma positiva a morte e não negativa, porque a morte esta ligada ao Deus, então os Maias, os Astecas, os Incas, eles enxergavam a morte como um envio da alma ao Deus, assim os outros povos antigos também, então esse ligação da morte com Deus era um ponto positivo, então a morte não tinha essa conotação negativa que se tem hoje”.

A ressureição

A vida não acaba com o término das funções cerebrais, depois da morte o espírito ou a alma sobrevivem à morte do corpo e começam uma nova fase espiritual. Salvo as particularidades de cada religião, esse é o conceito fundamental da crença na ressurreição. Algumas das religiões com mais fiéis estão entre as que pregam a ressurreição, como por exemplo, os católicos, islâmicos e judeus. Para o Padre Agnaldo, da igreja católica acredita que “a morte é um processo onde, as pessoas deixam a realidade humana e ressuscitam diante de Deus”.

A reencarnação

A pessoa que se vai, mais tarde, retorna em outro corpo físico para que passe novamente pela Terra. A reencarnação é de certa forma, como ter outra chance de acertos no plano material. Os espíritas, umbandistas, hinduístas e muitos outros grupos religiosos, acreditam que seus entes queridos retornarão em outras vidas para terminar de cumprir sua missão de vida. Tato Savi, cita que para os espíritas, “a morte é apenas a separação do corpo físico e da alma”

A vida é para ser vivida

Pode não ser bem uma fé, mas há quem acredite que não há nenhum julgamento, nem vida após a morte e nem volta para a Terra. Os ateus se baseiam puramente na ciência e afirmam que a morte é realmente o fim. Isso não necessariamente precisa ser triste ou julgado de alguma forma. Talvez acreditar que essa é nossa única chance de viver e que cada dia é um dia mais perto do descanso final, faça com que cada uma de nossas ações seja para fazer o bem ao próximo e construir memórias que ficarão no mundo, mesmo quando nós, nos formos dele.

 

EDIÇÃO FINAL: Luiz  Augusto Ramos,  Mayrilaine Garcia, Tiago de Moares e Vinicius Carrasco